Os erros do Fora do Eixo/Mídia Ninja podem ser acertos se bem administrados e com transparência

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Apareceu na internet diversos textos e foi discutido muito essa semana os grupos (ou coletivos como gostam de ser chamados) Fora do Eixo (FdE) e Mídia Ninja (MN), esses grupos, um gerado pelo outro (FdE -> MN), depois que os porta-vozes dos grupos, os criadores Pablo Capilé e Bruno Torturrada, foram entrevistados no Roda Viva, sendo esta entrevista motivada pela cobertura dos protestos de junho e julho pelo MN.

Até o Roda Viva, não era muito claro para boa parte das pessoas, inclusive a mim, a formação da MN, qual o posicionamento político, a linha jornalística, nem como era financiado esse grupo. Pra dizer a verdade, na própria entrevista, conduzida por uma maioria composta de jornalistas da grande mídia mais preocupados com o financiamento do grupo do que como pode ser aproveitado do método jornalístico do MN pela mídia em si (isso fica evidente por o grupo se considerar independente, e isso é garantido pela origem do dinheiro – na linha de raciocínio deles -, e o MN julga a grande mídia parcial e vendida – para os grupos que financiam -, por esse motivo). Claro que o financiamento é importante, tanto que em depoimentos na internet ficou mais claro de como ele é provido, mas a presença nas manifestações, a transmissão por 3G/4G, por exemplo, que não foi considerado em boa parte da entrevista.

Não vou me estender no que foi falado em diversos textos que apareceram na internet, até para não deixar esse texto mais longo e prolixo, como a maioria, mas vou expor os pontos que eles pecam/pecaram pra demonstrar que bem organizado é possível um grupo ser independente, com um jornalismo competente e criando uma rede parecida com o do Mídia Ninja com uma estrutura melhorada do Fora do Eixo.

Método jornalístico: o uso de redes 3G/4G para o streaming é muito interessante, de dentro da manifestação, ouvindo os manifestantes, mas falta o polimento e o tratamento de imagens, condução, entre outros pontos, para não transformar a transmissão em algo caótico. Transmitir de forma bruta é o que qualquer pessoa provida de smartphone e 3G/4G pode fazer, a diferença é a informação ter o trato jornalístico. Assim é necessário que haja um switcher que junte as imagens em tempo real, possibilitando a adequada condução dos fatos, amenizando os calores de quem está muito próximo cobrindo os fatos, tendendo para um lado ou outro. Assim o condutor do switcher pode dosar os lados apresentados para ter um equilíbrio e justiça na informação transmitida.

Outro ponto importante são as matérias após as transmissões ou quando não há o que transmitir, falta ao grupo uma abordagem que inclua recursos da mídia tradicional, como crônicas, opiniões, editoriais.

Financiamento: Essa troca de farpas entre a mídia tradicional e MN sobre financiamento e independência no jornalismo é uma tremenda besteira. Se o veículo quer ser imparcial, ele é independente de quem paga. Lembro a extinta revista PC Linux, que por diversas vezes teve a Microsoft como propaganda, em nenhum momento teve mudança na postura das matérias publicadas. Ética não depende da origem do dinheiro e sim de quem o recebe.

Há formas de não depender de apenas grandes empresas para fechar as contas (afinal são jornalistas, não escravos, tem família, conta para pagar, etc) como assinaturas com preços baixos ou até mesmo o assinante escolhendo o valor do pagamento de uma anuidade. O financiamento público também é uma possibilidade, desde que tenha prestação de contas exemplar, a venda de matérias para outros veículos, como a Reuters e a Associated Media Press (AP), entre outras, praticam, crowdfunding de matérias e outras formas. Basta criatividade e bom senso.

Transparência: Ser independente exige transparência, principalmente para quem cobra dos outros ética e transparência. Ou seja, deve ser divulgado TODA movimentação financeira, com dinheiro real ou fictício (falarei mais para frente).

Moedas Fictícias: Apesar da explicação do Pablo Capilé, na qual não consegui entender nada, e dos inúmeros problemas demonstrados por vários sobre o Cubo Cards, achei a idéia, depois de entender lendo por alguém que conseguiu explicar direito, bem interessante. Se você tem uma rede multidiciplinar e num primeiro momento não consegue receber dinheiro de fato, uma moeda fictícia pode funcionar bem, caso:

  • Seja indexada com o dinheiro corrente: Para que o utilizante possa cobrar/trocar o serviço pelo valor que ele vale de verdade.
  • Que ela possa ser convertida para dinheiro em algum momento.
  • Haja oferta e procura de serviços. Se houver só jornalistas, não há interesse de uso da moeda, agora se há fotógrafos, designers, publicitários e existe a necessidade de produtos entre eles é bem viável.

Lembro que milhas, a grosso modo, é uma moeda fictícia e ela funciona (e bem) por ter esses três pontos indicados acima (no terceiro é a utilização de cartão de crédito, compra em empresas parceiras com o objetivo de juntas milhas, etc). O problema não é a moeda, é a implementação da moeda.

Valorização da produção: Quem trabalha quer ter seu trabalho reconhecido, sendo assim nada mais justo do que ter crédito nos trabalhos realizados.

Identidade jurídica única: Para um grupo ser sério tem que ter um CNPJ, alguém ou uma liderança que se responsabilize pela condução financeira do grupo.

Acho que se for seguido esses parâmetros é possível que um grupo de jornalistas consigam ser independentes, ganhar dinheiro e ter um nicho de mercado para trabalharem. O que a Mídia Ninja faz não vai substituir o jornalismo tradicional que conhecemos e não pode ser encarado desta forma.  O aproveitamento das qualidades dos modelos (tradicional, online, streaming, etc) com o tipo de cobertura a ser feita é a saída para um jornalismo de qualidade e principalmente uma grande quantidade de grupos realizando esse tipo de trabalho, afinal, mais grupos são mais pontos de vista e a principal análise de um material jornalístico não é feita por quem faz e sim por quem lê, ou seja, o leitor é fundamental na busca por diferentes pontos de vista sobre um fato para ele ter o seu ponto de vista.